• “Adianto aos leitores de meu blog, que ele deve ser lido pausadamente, é de que não conheço a arte de ser claro para quem não deseja ser atento."

  • "Se você tivesse acreditado nas minhas brincadeiras de dizer verdades, teria ouvido muitas verdades que insisto em dizer brincando... Falei, muitas vezes, como um palhaço, mas nunca desacreditei da seriedade da plateia que sorria." Charles Chaplin

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Os filosofos como Eles são.

A filosofia é um assunto (perdão, uma actividade) que tem uma história; e como progride tão pouco, se é que progride realmente alguma coisa, a sua história é, consequentemente, mais importante do que a história de outras disciplinas. O especialista instantâneo bem sucedido tem de se equipar com um conhecimento prático desta história, se quiser singrar na charlatanice. Para os propósitos deste livro, confinar-nos-emos quase exclusivamente à filosofia ocidental, essa admirável tradição que começou na Grécia no século VII a.C. Há uma boa razão para esta opção. A filosofia da tradição ocidental é um tipo de projecto muito diferente da filosofia oriental. Numa próxima secção daremos alguns conselhos sobre como ser apropriadamente evasivo acerca de temas como a Meditação, o Budismo, a Religião Indiana, as Pessoas com Cabeças Rapadas e Túnicas Amarelas Imundas, e outras ameaças sociais do género. Portanto, esta secção contém factos mais ou menos interessantes sobre alguns filósofos mais ou menos famosos, factos esses de natureza tanto biográfica como filosófica, dispostos de maneira mais ou menos cronológica. Os primeiros filósofos gregos são geralmente conhecidos por pré-socráticos, apesar de isto ser enganador: nem todos viveram antes de Sócrates, e, em qualquer caso, não constituíram uma escola coerente; na verdade, a maioria deles não constituíram sequer indivíduos coerentes. Ninguém sabe por que começou a filosofia quando começou; o especialista instantâneo ambicioso com inclinações marxistas pode tentar oferecer uma explicação em termos de uma dialéctica inexorável de forças históricas, mas nós não o recomendamos. Uma característica notável de muitos pré-socráticos é a sua tentativa de reduzir os constituintes materiais do Universo a uma ou mais Substâncias básicas, tais como a Terra, o Ar, o Fogo, as Sardinhas, os Gorros de Lã Velhos, etc. Tales de Mileto (c. 620-550 a.C.) foi o primeiro filósofo reconhecido. Poderão ter existido outros antes dele, mas ninguém sabe quem foram. Ele ficou conhecido principalmente por defender duas coisas: 1) Tudo é feito de Água; e
2) Os ímanes têm alma. O leitor poderá pensar que não foi um princípio muito prometedor. aximandro (c. 610-550) pensava que tudo era feito do Apeiron, uma concepção que tem um certo encanto espúrio, até percebermos que não quer realmente dizer coisa alguma. Anaxímenes (c. 570-510) aventurou-se corajosamente numa direcção completamente nova, apesar de não menos arbitrária, ao afirmar que na realidade tudo era feito de Ar, uma perspectiva talvez mais plausível na Grécia do que, por exemplo, no Barreiro. Heraclito (c. 540-490) discordou, defendendo antes que tudo era feito de Fogo. Mas ele avançou um passo mais, afirmando que tudo estava num estado de fluxo e que tudo era idêntico ao seu oposto, acrescentando que não podemos entrar duas vezes no mesmo rio, e que não existe qualquer diferença entre o Caminho a Subir e o Caminho a Descer, o que mostra que nunca foi ao Bairro Alto numa sexta-feira à noite. Vale por vezes a pena referir de passagem (o que constitui sempre a melhor maneira de nos referirmos ao que quer que seja em filosofia) a «Metafísica de Heraclito», para falar da sua doutrina do fluxo, desde que não tenhamos de explicar seja o que for. Heraclito era muito admirado por Hegel (q.v.), o que nos diz talvez mais sobre Hegel do que sobre Heraclito. itágoras (c. 570-10), como qualquer aluno da primária sabe, inventou o triângulo rectângulo; na verdade foi mais longe, ao acreditar que tudo era feito de números. Acreditava também numa forma extrema de reincarnação, defendendo que uma larga gama de coisas improváveis, incluindo os arbustos e os feijões, têm alma, o que tornava a sua dieta bastante problemática, acabando por ser indirectamente responsável pela sua bizarra morte (q.v.). Empédocles (c. 500-430), um notável médico e político siciliano do século V, completamente doido (veja-se Mortes para mais detalhes), pensava que tudo era feito de Terra, Ar, Fogo e Água, misturando-se ou separando-se tudo através do Amor e da Discórdia, ganhando cada um, à vez, a proeminência no ciclo do eterno retorno, espelhando assim o cosmos, em grande escala, o casamento suburbano típico. Depois vêm os eleatas, Parménides (520-430) e Melisso (480-420), que foram ainda mais além. Em vez de afirmarem que tudo era na realidade feito de uma substância, defenderam antes que na realidade só havia uma única Coisa, grande, esférica, infinita, imóvel e imutável. Toda a aparência de variedade, movimento, separação entre objectos, etc., era uma Ilusão. Esta teoria extraordinariamente contra-intuitiva (por vezes conhecida por Monismo, da palavra grega «mono», que quer dizer «dispositivo antiquado de gravação») revelou-se surpreendentemente popular, sem dúvida por estar de acordo com a experiência que as pessoas têm com algumas instituições, como os Correios e a EDP. O seu sucessor, Zenão (500-440), avançou um conjunto de argumentos paradoxais para mostrar que nada pode mover-se. Aquiles e a Tartaruga são ainda discutidos, tal como a Flecha: argumentou ele que esta não podia realmente mover-se, o que, a ser verdade, teria sido uma boa notícia para S. Sebastião. Os argumentos tratam de saber em grande parte se o Espaço e o Tempo são infinitamente divisíveis, ou se um deles, ou ambos, é feito, ou são feitos, de quanta indivisíveis — mencione isto para dar a Zenão um ar moderno; se lhe pedirem explicações, mude de assunto. Os últimos dos pré-socráticos são os atomistas Demócrito (c. 450-360) e Leucipo (450-390). Diz-se por vezes que eles anteciparam a teoria atómica moderna. Isto é completamente falso, e o especialista instantâneo ganha alguns pontos ao dizê-lo, pela simples razão que o que há de crucial nos átomos democritianos é a sua indivisibilidade, ao passo que o que há de crucial nos átomos modernos é o facto de não serem indivisíveis. O leitor pode também fazer notar que Demócrito não gostava de sexo, apesar de não se saber se tal se devia a razões teóricas ou a algum infeliz revés pessoal. É tudo quanto aos pré-socráticos; vamos agora ao próprio homem que lhes deu o nome, Sócrates (469-399). Sócrates não escreveu coisa alguma: dependemos de Platão no que respeita a qualquer informação sobre ele, e é uma vexata quaestio (uma boa expressão) saber até que ponto Platão reproduziu as ideias de Sócrates, ou se limitou unicamente a usar o seu nome. Não se deixe enredar nesta questão: uma boa manobra é afirmar, com um certo desdém arrogante, que o que conta é o conteúdo filosófico, e não a sua origem histórica. Platão (427-347) acreditava que os objectos comuns do quotidiano, como as mesas e as cadeiras, eram meras cópias «fenoménicas» imperfeitas de Originais perfeitos que existiam no Céu para serem apreciados pelo intelecto, as chamadas Formas. Também há formas de itens abstractos tais como a Verdade, a Beleza, o Bem, o Amor, os Cheques Carecas, etc. Esta posição trouxe algumas dificuldades a Platão: se tudo o que vemos, sentimos, tocamos, etc., deve a sua existência a uma Forma Perfeitamente Boa, têm de haver Formas Perfeitamente Boas de Coisas Perfeitamente Horríveis. O próprio Platão menciona o cabelo, a lama e a sujidade; mas nós podemos pensar em exemplos muito melhores, tais como peúgas brancas com sapatos pretos, caramelos de Badajoz e galos de Barcelos. Platão parece ser imensamente sobrestimado como filósofo; se não acredita em mim, veja o seguinte argumento tipicamente platónico, tirado do Livro II da República: 1) Aquele que distingue as coisas com base no conhecimento (presumivelmente, em vez de ser com base no mero preconceito) é um filósofo; 2) Os cães de guarda distinguem as coisas (neste caso, os visitantes) consoante os conhecem ou não (esta é uma verdade cara aos carteiros); ergo 3) Todos os cães de guarda são filósofos. Experimente usar de vez em quando este argumento, para ver como se sai. Outra manobra útil de aproximação a Platão é argumentar uma das duas ideias seguintes: 1) que ele era um feminista; 2) que não era. Ambas as afirmações podem ser sustentadas e acabar por revelar-se úteis (em ocasiões diferentes, claro). O indício para 1) é o facto de Platão afirmar no Livro 3 da República que as mulheres não devem ser discriminadas em questões de emprego unicamente por serem mulheres. A favor de 2) é o facto de, imediatamente a seguir, Platão comentar que uma vez que as mulheres são por natureza muito menos talentosas do que os homens, esta «liberalização» não faz de qualquer maneira diferença alguma. Depois de Platão vem Aristóteles (382-322), por vezes conhecido como o Estagirita, que ao contrário do que pode parecer não é o embrião de um estagiário, mas um nativo de Estagira, na Macedónia. Foi aluno de Platão e esperava suceder-lhe como director da Academia. Sentiu-se, por isso, ultrapassado quando Espeusipo (não é necessário saber seja o que for sobre ele) ficou com o lugar, abandonando ofendido a Academia para fundar a sua própria escola, o Liceu — que não deve ser confundido com o lugar misterioso onde os nossos pais perderam a inocência. Aristóteles era estupidamente brilhante. Desenvolveu a Lógica (na verdade, inventou-a), a Filosofia da Ciência (que também inventou), a Taxonomia Biológica (sim, também foi inventada por ele), a Ética, a Filosofia Política, a Semântica, a Estética, a Teoria da Retórica, a Cosmologia, a Meteorologia, a Dinâmica, a Hidrostática, a Teoria da Matemática e a Economia Doméstica. Não é aconselhável dizer seja o que for que não seja elogioso em relação a ele, mas o especialista instantâneo atrevido pode aventurar-se a lamentar a inclinação excessivamente Teleológica da sua Biologia, ou comentar que apesar de a sua teoria lógica ser um feito notável, ela foi no entanto, como é óbvio, ultrapassada pelos desenvolvimentos modernos devidos a Frege e Russell (q.v.). Mas tenha cuidado com estas afirmações, e nunca as produza se estiver a falar com um matemático, mesmo que este seja muito novo. Uma linha de abordagem muito mais segura consiste em depreciar moderadamente os aspectos mais caricatos da Biologia de Aristóteles, dos quais o seguinte argumento sobre a estrutura dos genitais das cobras é um exemplo: As cobras não têm pénis porque não têm pernas; e não têm testículos por serem tão compridas. (De Generatione Animalum). Aristóteles não oferece qualquer argumento para sustentar a sua primeira alegação, a não ser a suposição geral a que somos conduzidos de que caso contrário o órgão em causa seria penosamente arrastado pelo chão; mas a segunda deriva da sua teoria da reprodução. Para Aristóteles, o sémen não é produzido nos testículos, mas na espinal medula (os testículos funcionam aparentemente como uma espécie de sala de espera do esperma vagabundo); além disso, o sémen frio é estéril, e quanto mais tiver de viajar, mais arrefece (daí o facto conhecido, comenta ele, de os homens com pênis compridos serem estéreis). Assim, uma vez que as cobras são tão compridas, se o sémen parasse algures no caminho, as cobras seriam estéreis; mas as cobras não são estéreis; logo, não têm testículos. Este esplêndido argumento é um exemplo de Teleologia Excessiva, ou de uma explicação em termos de fins e objectivos, que neste caso põe na verdade tudo de pernas para o ar. Depois de Aristóteles a filosofia fragmentou-se cada vez mais. Fundaram-se várias escolas rivais para complementar, e desancar, as já existentes Academia e Liceu. As grandes novidades do princípio do século III a.C. são os estóicos, os epicuristas e os cépticos. Os estóicos acreditavam perversamente numa Providência Divina que tudo abarcava, apesar de todos os dados em contrário, tais como a ocorrência de desastres naturais, o triunfo das injustiças e a existência de hemorróidas. Crisipo, talvez o mais proeminente, e sem dúvida o mais palavroso dos estóicos, argumentou que as pulgas tinham sido criadas por um Providente Benevolente para não deixar as pessoas dormir de mais. Os estóicos contribuíram também com alguns desenvolvimentos importantes na teoria da lógica, o que lhes permitiu formular alguns tipos de argumentos que tinham escapado a Aristóteles. Mas o especialista instantâneo não deve preocupar-se muito com isso. Os epicuristas, assim chamados em nome do seu fundador, Epicuro (342-270) defendiam que o nosso Fim era o prazer, consistindo este na satisfação dos desejos, o que era um bom começo. Mas depois deram a volta às coisas, afirmando que isto não significava que ter muito prazer era uma coisa boa; pelo contrário, uma pessoa devia limitar o número dos seus desejos, para que assim não acabasse por ficar com muitos desejos por satisfazer — um projecto que tem como consequência uma vida miseravelmente chata (e que, a ser cumprido, implicaria a completa reestruturação das fantasias do adolescente típico). Este ponto de vista é lógico, e ainda mais divertido, e, é claro, completamente oposto àquela ideia da filosofia como a procura do Inefável e do Inatingível — a União Mística com o Criador, a Empatia Total com o Cosmos, ou uma Noite com a Claudia Schiffer. Assim: Por prazer entendemos a ausência de dor física e mental. Não se trata de beber, nem de festas orgiásticas, nem da satisfação com mulheres, rapazes ou peixe. (Extraído de Carta a Menécio). Não sabemos aonde foi ele buscar a ideia do peixe, mas asseguramos-lhe que está no texto. A outra característica importante do epicurismo era a sua versão da Teoria Atómica, que era como a de Demócrito, excepto que, para preservar o Livre Arbítrio, os epicuristas defendiam que de vez em quando os átomos davam uma guinada imprevisível, causando colisões, mais ou menos como os motociclistas acelerados das cidades. Defendiam também que apesar de os deuses existirem, se estão nas tintas para os homens porque têm mais que fazer. A outra grande escola deste período, os cépticos, não acreditavam em nada. O seu fundador, Pirro de Elis (c. 360-270), não escreveu quaisquer livros (presumivelmente porque não acreditava que alguém os leria, se acaso os escrevesse), apesar de alguns cépticos posteriores — inutilmente, poderemos pensar — o terem feito, sendo de notar Tímon, que escreveu um livro de sátiras chamado Silloi, Enesidemo e Sexto Empírico. A linha de argumento principal consistia em afirmar que nenhum dado dos sentidos era digno de confiança, apesar de poder ser agradável, e que, consequentemente, ninguém podia ter a certeza fosse do que fosse. Na verdade, ninguém podia ter a certeza que não se podia ter a certeza fosse do que fosse. Para sustentar esta ideia, ofereceram algumas versões do Argumento da Ilusão, que Descartes iria usar mais tarde. Diz-se que o cepticismo de Pirro era tal que os amigos tinham de o impedir, repetidamente, de cair nos precipícios e nos rios e de caminhar de encontro a carros em andamento, o que não devia dar-lhes qualquer descanso, apesar terem sido aparentemente muito eficientes, pois morreu com uma idade bastante avançada. Diz-se que visitou os gimno-sofistas indianos, ou «filósofos nus», assim chamados devido ao hábito de fazerem seminários em pêlo. Uma vez ficou tão irritado com as perguntas insistentes que lhe dirigiam em público que se despiu completamente (talvez por influência dos gimno-sofistas), mergulhou no ilusório Rio Alfeu, e nadou vigorosamente para longe, uma táctica que o especialista instantâneo fortemente pressionado pode considerar imitar. Havia mais algumas escolas menores que tentavam alcançar a ribalta, nomeadamente os cínicos, que eram os mestres do comentário sarcástico, e uma desgraça se apareciam para jantar. Um deles, Crates, era conhecido por irromper nas casas das pessoas para as insultar. O cínico mais famoso foi Diógenes, que vivia numa barrica para fugir aos impostos, e que ficou conhecido por ter uma vez dito a Alexandre Magno, com uma certa aspereza, para lhe sair da frente para não lhe tapar o sol. Costumava também escandalizar as pessoas por comer, fazer amor e masturbar-se em locais públicos, quando e onde lhe dava vontade. Pode ser útil fingir um certo afecto pelos cínicos: estavam-se completamente nas tintas para o que as outras pessoas pensavam deles, sendo por isso modelos da Temperança Filosófica, ou idiotas chapados, dependendo do seu ponto de vista. É irrelevante o ponto de vista adoptado, mas certifique-se de que adopta um qualquer. A filosofia vagueou no mundo greco-romano sob da protecção imprevisível dos imperadores romanos, cujas atitudes para com os filósofos variavam consideravelmente. Marco Aurélio, por exemplo, foi ele próprio um filósofo; Nero, por outro lado, matava-os. A influência do cristianismo começou a fazer-se sentir neste período, e a filosofia sofreu com isso. Agostinho, que por qualquer razão bizarra se tornou um santo, apesar da sua pródiga vida sexual e da sua famosa oração a Deus («faz-me casto — mas ainda não») teve algumas ideias interessantes: antecipou o Cogito de Descartes (penso, logo existo; refira-se sempre a isto como «o Cogito»), e desenvolveu uma teoria do tempo segundo a qual Deus está fora da corrente temporal de acontecimentos (sendo Eterno e Imutável, não tinha outra saída), o que quer dizer que o Todo-Poderoso nunca sabe a que horas são as coisas, mais ou menos como os maquinistas da CP. Havia também os neoplatónicos, alguns dos quais eram cristãos, enquanto outros não, mas cujos nomes parecem todos começar por P. Os que eram cristãos dedicavam-se a mostrar que Platão tinha na realidade sido cristão, uma ideia que exige uma reorganização temporal surpreendente, para não dizer implausível. Os neoplatónicos tinham a tendência para falar de Coisas Abstractas com Letras Maiúsculas, tais como o Uno e o Ser, de uma maneira que ninguém percebia. Isto não é um problema exclusivo deles: Heidegger fez o mesmo, mas é claro que ele era alemão, e isso é o tipo de coisa que se espera de um alemão. Encontrará talvez pessoas que cultivam alguma admiração por esta gente; não hesite em afastá-los sumariamente, especialmente Plotino, Porfírio e Proclo, apesar de poder admitir relutantemente que o último tinha umas ideias interessantes sobre Causas. Depois disso veio a Idade das Trevas, e a chama da filosofia, como os historiadores palavrosos gostam de dizer, foi mantida no mundo árabe, e em mosteiros que ou eram tão remotos ou tão pobres que não valia a pena saquear. A pouca filosofia que existia na Europa sofreu uma viragem depressivamente teológica, centrando-se sobre disputas tais como se Deus era Uma pessoa em Três ou Três pessoas Numa, a natureza exacta da Substância do Espírito Santo e quantos anjos podem dançar na cabeça de um alfinete (no caso improvável de desejarem realmente fazê-lo). Vale talvez a pena chamar a atenção para Córdova, no sul de Espanha, que estava ocupada pelos árabes, e que era o país natal do maior filósofo judeu, Maimónides, e do grande filósofo árabe, Averróis. Algumas pessoas dirão que o maior filósofo árabe foi Avicena, e não Averróis — mas não se renda (o dogmatismo compensa). Durante várias centenas de anos, os judeus, os árabes e os cristãos conseguiram viver todos juntos. A intolerância religiosa, apesar de ser perene, não tem sido um facto invariável da vida. Na Europa, a filosofia começou a renascer no século XI com Anselmo, outro dos santos filosóficos, que ficou famoso por ter inventado o enganadoramente chamado Argumento Ontológico da existência de Deus, que é notável pela sua implausibilidade, pela sua longevidade, e pela dificuldade em ser refutado. É assim: pense numa coisa maior do que a qual nada pode existir; mas a existência é ela própria uma propriedade que torna uma coisa melhor. (Esta alegação, implausível quando aplicada à halitose e aos bebés, torna-se mais persuasiva se a entidade em questão for boa em todos os outros aspectos.) Logo, se esta coisa maior do que a qual nada pode ser pensado (i.e., Deus) não existisse, poderíamos imaginar a existência de outra coisa ainda maior, nomeadamente, um Deus existente, que teria todas as propriedades do primeiro, mais a existência como bónus. Mas nós podemos conceber este último. Logo, Deus tem de existir. O próprio Anselmo afirma que foi Deus que lhe enviou uma visão com o argumento pouco depois do pequeno almoço, no dia 13 de Julho de 1087, numa altura em que ele estava a passar um mau bocado com a sua fé. Este é assim o único grande argumento da história da filosofia cuja descoberta pode ser datada com precisão. A não ser, claro, que Anselmo estivesse a contar lérias. O próximo santo filosoficamente importante foi Tomás de Aquino (1225-74), que foi responsável em grande parte pela reintrodução de Aristóteles no mundo ocidental. (Aristóteles foi delicadamente ignorado durante séculos por académicos que não gostavam de admitir que não sabiam grego.) São Tomás é também o único filósofo oficialmente reconhecido pela Igreja Católica. Tornou-se conhecido por propor as Cinco Vias para provar a existência de Deus — não tinha ficado muito impressionado com Anselmo. Não precisa de saber quais são essas Cinco Vias, mas pode talvez fazer notar que não existe qualquer diferença significativa entre as primeiras três, de maneira que Tomás de Aquino estava a exagerar um bocado. Ele é também o autor de dois argumentos interessantes contra o incesto. Em primeiro lugar, o incesto tornaria a vida familiar ainda mais infernalmente complexa do que já é; em segundo lugar, o incesto entre irmãos devia ser proibido porque se ao amor típico dos casais se juntasse o amor típico dos irmãos, o vínculo resultante seria de tal maneira poderoso que resultaria em relações sexuais anormalmente freqüentes. É uma infelicidade que São Tomás não defina este último conceito intrigante. Podemos também duvidar seriamente se teve realmente irmãos ou irmãs. Quanto ao resto dos escolásticos medievais, como são conhecidos devido à sua predilecção pedagógica para o intenso pedantismo, a maioria dos mais importantes parecem ter sido franciscanos. Deve afastar-se decididamente deles, ou pelo menos dos pormenores. Poderá recordar que Duns Escoto (1270-1308) era na verdade irlandês, e que era além disso, segundo Gerard Manley Hopkins, «o mais dotado decifrador do real», seja o que for que isso queira dizer. Outro nome que vale a pena usar é o de Guilherme de Ockham (c. 1290-1349), considerado universalmente o maior lógico medieval, e conhecido sobretudo pela «Navalha de Ockham», com a qual pôs fim a séculos de filosofia hirsuta. A Navalha é usualmente citada segundo a fórmula «As Entidades não devem ser Multiplicadas sem Necessidade», ou, melhor ainda, em latim: «Entia non sunt multiplicanda praeter necessitatem» (i.e., Não Inventes). O especialista instantâneo ganha alguns pontos extra se comentar que esta formulação não se encontra, na verdade, em parte alguma da oeuvre extraordinariamente logorreica de Ockham. A idade moderna da filosofia começa efectivamente com a descoberta, na renascença, do cepticismo grego; foi traduzido por Lorenzo Valla e usado por Michel de Montaigne. Depois de ascender de Valla para Montaigne, a epistemologia céptica formou a base a partir da qual Descartes iria reconstruir uma filosofia positiva. René Descartes, (1596-1650), como quase todos os ensaios dos caloiros de filosofia lhe dirão, foi o Pai da Filosofia Moderna. Descartes foi em muitos aspectos uma personagem apaixonante: tinha muita dificuldade em levantar-se de manhã, e inventou o Cogito (lembre-se de o chamar sempre assim) enquanto estava escondido num quarto aquecido da Baviera, em 1620, para ver se escapava à tropa. Nunca casou, mas teve uma filha ilegítima. É aconselhável decorar o famoso slogan filosófico de Descartes em pelo menos três línguas, pois em português rende muito pouco. O próprio Descartes publicou-o em latim e em francês: Cogito, ergo sum; «Je pense, donc je suis» (a versão do Discours de la Méthode, que é menos conhecida do que a das Meditações latinas, constituindo portanto um material melhor para o especialista instantâneo). Os especialistas instantâneos mais experientes podem divertir-se oferecendo versões em alemão, servo-croata, hindustani, etc. Descartes chegou à conclusão que pelo menos isso era certo, depois de tentar sistematicamente duvidar de tudo o resto, tendo começado com coisas comparativamente simples, como as laranjas, o queijo e os números reais, avançando depois gradualmente para as verdadeiramente difíceis, como Deus e a sua senhoria. Descartes descobriu que podia duvidar da existência de tudo, excepto da realidade dos seus próprios pensamentos. (Ele tinha mesmo algumas dúvidas quanto ao seu próprio corpo, e com razão, a acreditar nos retratos que nos chegaram.) Partindo desta certeza inabalável, Descartes passou à «reconstrução de uma ponte metafísica» (use esta expressão: soa bem) para chegar à realidade comum, por meio da demonstração da existência de Deus (exactamente como fez ele tal coisa não deve preocupar-nos: basta saber que o fez), acabando assim por deixar tudo mais ou menos como estava antes. Mas a filosofia é mesmo assim, como mais tarde diria Wittgenstein. O leitor pode legitimamente perguntar-se no seu íntimo se valeu a pena o esforço: mas não deixe jamais transparecê-lo. A partir desta altura a filosofia começa a mostrar sinais de se dividir em duas tradições, a britânica e a continental. Este tipo de comentário enfurece os franceses e os alemães que, não sem alguma razão, gostam de pensar que têm tradições independentes — por isso vem mesmo a jeito quando falamos com eles. Os britânicos tendem a ser agrupados como empiristas, o que quer dizer que, tal como o nome sugere, constroem os seus sistemas com base no que pode ser sentido, observado, ou objecto de experiência. As personagens mais importantes parecem uma anedota racista: era uma vez inglês (Locke), um irlandês (Berkeley) e um escocês (Hume). Mas quem gosta de anedotas ficará desapontado ao descobrir que, apesar dos estereótipos, Berkeley era muito esperto e Hume muito generoso. Mas comecemos com John Locke (1632-1704), que pensava que os objectos tinham dois tipos de atributos: 1.Qualidades Primárias, como a Extensão, a Solidez e o Número, tidas como inseparáveis e inerentes aos próprios objectos, e 2.Qualidades Secundárias, tais como a Cor, o Sabor e o Cheiro, que parecem estar nos objectos, mas que estão na verdade em quem percepciona. (Qualquer pessoa que tenha passado há pouco tempo por um campo recentemente adubado com estrume de cavalo pode sentir-se na disposição de duvidar disto.) Que há-de fazer-se ao certo com atributos como a Extrema Maldade, que parece simultaneamente estar espalhada e ser objectiva, ninguém sabe: mas ele defendia que o Feio, tal como o Belo, são relativos, o que significa que ainda podemos ter esperança. Locke pensava também que não tínhamos Ideias Inatas (sendo assim, a mente de um recém-nascido seria uma tabula rasa, uma ardósia limpinha: tal como muitas mentes de adultos, a julgar pelas aparências) e que todo o nosso conhecimento do mundo exterior ou foi directamente derivado do mundo exterior, ou indirectamente extrapolado a partir dele. Isto deu-lhe alguns problemas para conseguir dar conta de conceitos altamente abstractos, como o Número, o Infinito e a Cantina Universitária. Locke defendeu ideias interessantes sobre a Identidade Pessoal — como me distingo das outras mentes? Qual é o Conteúdo da Continuidade da minha Personalidade? Serei eu a mesma Pessoa que casou com a minha mulher à cinco anos? Se sou, ainda estou a tempo de fazer alguma coisa? etc. —, sustentando que nem todos os Homens eram Pessoas, pois para se ser uma Pessoa exige-se um certo nível de auto-consciência, e que nem todas as Pessoas eram Homens. A razão pela qual ele acreditava nesta última ideia devia-se unicamente à sua crédula aceitação de uma história de um viajante latino-americano que afirmava ter conhecido no Rio de Janeiro uma arara inteligente que falava português. George Berkeley (1685-1753), apesar das desvantagens de ser simultaneamente irlandês e bispo, era mais radical. Defendia que as coisas só existiam se fossem percepcionadas («Esse est percipi»: não se esqueça desta), e a razão pela qual ele acreditava nesta ideia extraordinária, que ao que parece ele pensava ser no entanto simples senso comum, é que era impossível pensar numa coisa impercepcionada, pois no momento em que tentamos pensar nela como coisa impercepcionada já estamos, por pensar nela, a percepcioná-la. A filosofia de Berkeley esteve fortemente em voga, e teve a virtude de irritar imenso o Dr. Johnson, que afirmou tê-lo refutado ao dar um pontapé numa pedra — uma forma particularmente pouco filosófica de refutação que falhou completamente o ponto de Berkeley. As pessoas que defendem estas ideias chamam-se idealistas (ver Glossário). Tal como a maior parte das coisas em filosofia, os idealistas são mais ou menos lunáticos; G. E. Moore comentou uma vez que os idealistas só acreditam que os comboios têm rodas quando estão nas estações, uma vez que não as podem ver quando viajam. Segue-se também, o que é muito interessante, que as pessoas não têm corpos a não ser quando estão nuas, um facto que, a verificar-se, tornaria completamente inútil grande parte da especulação quotidiana. O sucessor natural deste género de ideias é uma forma de cepticismo: e é aqui que entra Hume (1711-76). Hume publicou o seu primeiro livro, o Treatise of Human Nature, em 1739, e ficou um bocado ofendido porque ninguém lhe ligou nenhuma. Sem se deixar abater, no entanto, limitou-se a reescrevê-lo e a publicá-lo com outro título (Enquiry Into Human Understanding), e as pessoas deram-lhe imediatamente importância e atenção. A perspectiva geral é que a Enquiry é muito inferior ao Treatise: o especialista instantâneo pode tentar opor-se a esta perspectiva (a Enquiry tem pelo menos a virtude de ser muito mais pequena). Entre as coisas que é útil saber sobre Hume contam-se o facto de ele ter oferecido um tratamento original das causas, de acordo com o qual as causas e os efeitos são unicamente os nomes que damos aos acontecimentos ou itens que foram repetidamente observados juntos: a «Conjunção Constante». Tente notar que, na Enquiry, as três formulações de Hume deste princípio não são equivalentes: uma faz das causas condições necessárias dos seus efeitos; uma segunda fá-las condições suficientes; e a terceira parece ser ambígua. E o leitor pode comentar que este princípio não consegue distinguir as causas dos efeitos colaterais. Hume pensava também que o Livre Arbítrio e o Determinismo podiam ser compatíveis: duvide disto delicadamente. Entretanto, de volta ao continente, temos de dar conta de indivíduos como Espinosa (1634-77), um polidor de lentes de Amesterdão. Foi muito admirado (mas não, aparentemente, pelos seus contemporâneos, que primeiro o excomungaram publicamente, tendo depois tentado assassiná-lo, quando isso não deu resultado) pelo seu Sistema Ético, que pôs de pé como um conjunto de deduções formais em geometria. Não é surpreendente, devido ao seu método, que ele tivesse sido um forte Determinista, tendo acreditado ainda numa Necessidade Lógica inabalável. A melhor aproximação a Espinosa é equilibrar uma certa admiração pelo homem, com um leve sentido de desapontamento por ter usado um sistema tão impróprio para um tema como a ética. A ética, pode dizer-se sentenciosamente (como na realidade o fez Aristóteles), não é apropriada para ser exibida num sistema formal axiomático. Leibniz (1646-1716) é popularmente conhecido através da caricatura de Pangloss, no Cândido de Voltaire, o parvo optimista que pensa que estamos no melhor dos mundos possíveis, o que é um completo disparate. Contudo, Leibniz só escreveu coisas desse género para reconfortar os monarcas. Podia pensar-se que eles já tinham conforto suficiente, mas não. Leibniz escreveu também muito sobre assuntos Lógicos e Metafísicos, mas estas especulações não foram publicadas durante a sua vida, porque não eram muito reconfortantes para os monarcas. No caso improvável de este nome vir a lume, reflicta tristemente na diferença entre a qualidade do pensamento privado de Leibniz, e a pobreza das suas afirmações públicas. O espaço não nos permite dizer muito sobre os filósofos franceses do século XVIII, cujas figuras de proa foram Voltaire, Rousseau e Diderot. Eles são notáveis por terem sido todos presos ou exilados, ou ambas as coisas. Está cada vez mais na moda exaltar a originalidade, o instinto, a humanidade e a excelente prosa erótica de Diderot, desprezando os outros, acrescendo ainda que vale a pena cultivá-lo mais que não seja porque pouco do que ele escreveu, excluindo La Réligieuse, está correntemente disponível em português. Experimente introduzir na conversa La Reve de d’Alembert ou Jacques Le Fataliste — e nunca se esqueça de mencionar que ele vivia da escrita de textos porno. O Marquês de Sade é um bom investimento, parcialmente por ser um exemplo de um aristocrata maluco com um comportamento extravagantemente desviante, mas também devido ao seu tipo particularmente louco de filosofia do estado de natureza: o seu mote poderia ter sido qualquer coisa como «se sabe bem, não hesites». Sabia bem, ele não hesitou e acabou preso por causa disso. Pode mencionar a Philosophie dans le Boudoir, uma mistura extraordinária de filosofia política, moral e sócio-biológica com muito sexo sadomasoquista imaginativamente coreografado. Pode perguntar-se suspeitosamente se a sua filosofia terá sido levada suficientemente a sério (na verdade foi: mas não precisa de o mencionar). O que nos conduz aos alemães do século XIX. O nosso conselho é este: evite-os a todo o custo. Tudo o que precisa de saber do seu precursor, Kant, pode encontrar-se noutra secção (ver Ética). Tudo o que todas as pessoas sabem sobre Hegel pode escrever-se num postal ilustrado, e mesmo assim seria ininteligível. Ele possuía, de forma muito avançada, esse talento comum aos advogados, entusiastas de computadores e filósofos alemães, que consiste em tornar o basicamente simples fantasticamente complexo. Começou por usar a palavra «dialéctica» para referir as inter-relações das forças históricas opostas, sendo assim importante para a pré-história do marxismo. Para além disso, a terminologia filosófica alemã pode impressionar bastante, quando usada convenientemente (v. glossário). O mesmo se pode dizer, mais ou menos, de Schopenhauer. Nietzsche (1844-1900) era um excêntrico, sendo por isso o assunto ideal para as vernissages. As opiniões contemporâneas têm tendência para o classificar juntamente com Wagner como um proto-fascista; ele era sem dúvida alguma anti-semita, mas na Prússia do século XIX toda a gente o era. Ele achava que Deus estava morto, ou pelos menos de férias, e odiava fanaticamente as mulheres, apesar de ser duvidoso se ele chegou realmente a conhecer alguma. Avançou também a doutrina do Eterno Retorno, de acordo com o qual tudo acontece repetidamente, uma e outra vez, exactamente da mesma maneira. Ele achava que isto era reconfortante, mas na verdade condena-nos a uma eternidade de um tédio repetitivo, ou, alternativamente, se cada retorno for precisamente igual a todos os outros de maneira a que nenhum contenha memórias de nenhum outro, não faz qualquer diferença. Nietzsche ficou definitivamente louco em 1888 (algumas pessoas diriam que já estava louco há muito mais tempo) e começou a escrever livros com capítulos intitulados Por Que Sou Tão Esperto, e Por Que Escrevo Livros Tão Bons. Entre os não alemães do século XIX, deve mencionar Kierkegaard, mais que não seja para mostrar que sabe pronunciar o nome: «Quírquegôr». O filósofo francês mais notável deste período foi Henri Bergson. Era um Vitalista, acreditando portanto que o que distinguia a matéria animada da inanimada era a presença na primeira de um misterioso Élan Vital, uma força misteriosa e indefinível que por alguma razão desaparece do corpo humano na adolescência. Conseguiu também, o que é notável, escrever um longo livro sobre o riso que não contém uma única boa piada. O que nos conduz aos americanos. A contribuição originalmente americana para a filosofia foi o pragmatismo, que não é, como na política, uma designação alternativa para uma rejeição esfarrapada e indulgente de quaisquer princípios, mas antes a crença de que a verdade e a falsidade não são absolutas mas sim uma questão de convenção, ou que, como alguns filósofos modernos gostam de dizer, «estão em aberto.» Pensando melhor, talvez o pragmatismo tenha afinal qualquer coisa a ver com a política. Esta ideia foi defendida por William James e John Dewey. Se citar estes nomes, não se esqueça que James era irmão do romancista Henry James. Isto conduz-nos ao fim da secção histórica desta exposição: os filósofos do século XX serão tratados numa outra secção (e com um bocado mais de cuidado, uma vez que muitos deles ainda estão vivos, podendo portanto vir a processar-me). AS MORTES DOS FILÓSOFOS Acabámos portanto a vida dos filósofos. Segundo os epicuristas, a morte nada é para nós — mas apesar da opinião deles, incluímos a seguinte lista de mortes filosóficas bizarras, para efeitos de completude. Há duas tradições no que respeita à morte de Empédocles. De acordo com uma delas, ele morreu de uma perna partida; mas a outra defende que ele saltou para a cratera do Monte Etna para provar assim que era um deus. Não se sabe como poderia isto constituir tal prova. Heraclito, contudo, contraiu hidropisia em resultado de viver de erva e de outras plantas numa encosta de uma montanha, numa veneta misantrópica. Ao ser informado pelos médicos que o seu estado não tinha cura, tomou o tratamento a seu cargo, obrigando-se a ser coberto da cabeça aos pés com estrume, sendo depois deixado na rua (ou talvez tivesse acontecido apenas que ninguém o queria em casa). Segundo o historiador Diógenes Laércio, «ele não conseguiu tirar o estrume, e, estando assim irreconhecível, foi devorado pelos cães». Talvez os cães não o tivessem devorado se soubessem quem era.Nunca mencione a morte de Sócrates com cicuta numa cela ateniense; mas se tiver a infelicidade de alguém lho mencionar, tente fazer notar que a descrição da sua morte no Fédon de Platão é completamente inconsistente com os efeitos conhecidos da cicuta: por isso, alguém estava a mentir. Pitágoras foi uma vítima do seu próprio vegetarianismo extremo. Ao ser perseguido por vários clientes insatisfeitos, chegou a um campo de feijão, e, para não o pisar, ficou onde estava, acabando assim por ser morto. Crínis, o estóico (uma escola famosa pela sua atitude imperturbável e indiferente em relação aos aspectos terrenos) morreu de medo com um guincho de um rato. A filosofia estóica nunca conseguiu recuperar completamente deste revés. Crisipo, o estóico, por outro lado, morreu a rir de uma das suas terríveis anedotas. Um macaco de uma velha, assim reza a história, comeu uma vez uma grande quantidade dos figos de Crisipo, após o que este lhe ofereceu o seu odre, dizendo «É melhor ele dar um golo para acompanhar os figos», após o que desatou às gargalhadas. Depois morreu. Com um sentido de humor assim, não temos de nos sentir culpados se pensarmos que foi uma sorte nenhum dos seus 700 livros ter sobrevivido. Diógenes terá morrido de uma das seguintes três maneiras: 1) Porque não se deu ao trabalho de respirar. 2) Devido a uma grave indigestão em resultado de comer polvo cru. 3) Por ter sido mordido no pé ao dar polvo cru aos seus cães. Depois do período antigo a qualidade das mortes filosóficas decaiu consideravelmente, apesar de valer talvez a pena registar que Tomás de Aquino morreu na retrete, tal como já tinha acontecido a Epicuro. Francis Bacon morreu em resultado de uma pneumonia que apanhou quando tentava congelar uma galinha na neve, em Hampstead Heath. É talvez o único homem que morreu em resultado de uma investigação relacionada com a comida, e não por a ter efectivamente comido. Finalmente, Descartes teve a pouca sorte de morrer por se levantar demasiado cedo. Atraído pela corte da Rainha Cristina da Suécia, descobriu para seu horror que ela queria ter explicações diárias e que a única hora que tinha livre era às cinco da manhã. O choque matou-o.

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