• “Adianto aos leitores de meu blog, que ele deve ser lido pausadamente, é de que não conheço a arte de ser claro para quem não deseja ser atento."

  • "Se você tivesse acreditado nas minhas brincadeiras de dizer verdades, teria ouvido muitas verdades que insisto em dizer brincando... Falei, muitas vezes, como um palhaço, mas nunca desacreditei da seriedade da plateia que sorria." Charles Chaplin

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

A religião em uma perspectiva sócio-antro-cultural

Trabalho realizado à disciplina filosofia da religião do curso de Filosofia. Apresentarei primeiramente fatos históricos de minha vida e depois farei uma análise a partir de conceitos sócio-antropológicos. Estão contidos quatro tópicos: a religião como construção e manutenção do mundo; as teodicéias usadas para justificar situações da vida humana; religião como alienação ou [des]alienação e a secularização.
Desde quando me reconheço como ser humano, a religião faz parte de minha vida. No início ocupou um espaço maior, com o avanço de minha educação, de uma forma significativa ela perdeu território. Sou nascido e criado em uma família tradicional católica. Ainda quando criança, meus pais me ensinaram que Deus havia nos criado e que devíamos rezar e obedecer a Ele por nos ter permitido viver. Que criou o mundo e tudo que nele existe. Tudo acontecia da forma e vontade deste Deus. Aprendi que deveria rezar todas as noites e agradecer pelo dia que tive e por tudo que aconteceu. Se eu não fizesse isso ficaria como me sentindo culpado e poderia, quando morrer ir para o inferno. O mesmo aconteceria se fizesse mal aos outros, tanto animais ou pessoas e, a mim mesmo. Eu acompanhava meus pais em todas as atividades da igreja que eles participavam. Já ao nove anos de idade, comecei a freqüentar o catecismo, onde recebia a educação religiosa em grupo que as vezes meus pais não conseguiam transmitir. Nestes encontros confirmavam tudo o que meus pais haviam dito. Deus criou tudo, inclusive a nós. Meus catequistas procuravam ler os textos bíblicos e explicar tudo a partir deles. Como se tudo fosse obra de Deus e que Ele estaria a governar eternamente sua criação. Eu sabia que tinha sido batizado quando criança e que era ungido de Deus, enquanto participante de seu rebanho. Faz-se necessário destacar aqui um aspecto: para ir à igreja, à catequese ia sozinho, aos cultos e as missas ia com meus pais, precisava andar durante duas horas, pois morávamos na zona rural e distante da igreja. Isso quase sempre durante o meio dia, horário do sol mais quente. Eu sempre fiz isso sem reclamar. Acreditava que Deus ficaria contente com esta ação e temia que Ele me punisse se não fizesse.
Aos doze anos de idade recebi a primeira eucaristia, por ocasião da primeira vez que recebi a hóstia, o corpo de Cristo, conforme me ensinaram. Neste momento, meu compromisso com a igreja aumentava. Tornava-me “simbolicamente” um discípulo de Jesus. Deveria agir como tal. Não compreendia bem, mas sabia que tinha um dever com a igreja católica. Aos quinze anos recebi o Sacramento do Crisma, onde já haviam me preparado para ser um leigo ativo, seguidor de Jesus e propagador da doutrina d”Ele. Ocasião em que comecei como catequista de minha comunidade. Já não ia mais a igreja só para aprender a bíblia e os mandamentos de Deus. Também ensinava. Percorri uma caminhada tão exemplar que antes de completar como catequizando, passei a ser catequista. Isso com a permissão do sacerdote pároco responsável. Aos quinze anos também comecei o acompanhamento para entrar na vida religiosa, onde realizaria minha “vocação”, a qual senti nos anos anteriores. Este período foi marcado, também, por um grande esforço. Eu ia um final de semana em cada mês a cidade, onde participava de encontros vocacionais, juntamente com outros jovens, que almejavam discernir a vocação também. Eu percorria três horas até a cidade, agora de bicicleta. Aos dezoito anos entrei para o seminário, parte que apresentarei no capítulo terceiro, que tratarei da alienação ou [des]alienação da religião.
Em uma abordagem sócio-antropológica da religião, pode-se afirmar que constitui três mecanismos de reprodução sócio-cultural. A saber: a socialização, o controle social e a legitimação. As crianças, quando vão nascendo, são “contextualizadas”, são apresentas os sistemas às precede. A religião assume diretamente um aspecto socializador. Em minha vida, quando meus pais diziam que Deus criou o mundo, por isso era daquela forma, da vontade d’Ele e que eu deveria contribuir para que continuasse assim. Ainda neste exemplo encaixa outro mecanismo, o de controle social. Claramente evidenciado quando meus pais diziam que o mundo era assim por vontade de Deus e que ninguém poderia mudar. Aqui se constitui o caráter da religião como construção do mundo. Para que esta forma de pensar e compreender o mundo socializado possa se perpetuar, existe um terceiro mecanismo, o da legitimação. Ele constitui-se quando surgem “os porquês”, nas crianças ao se desenvolverem humanamente ou nos adultos após esquecerem as respostas dadas anteriormente. À legitimação está à tarefa da religião como manutenção do mundo. Em minha vida, quando eu aprendi que, através da eucaristia, participação do corpo de Cristo, tinha que propagar os ensinamentos cristãos. Fazer com que o maior número de pessoas acreditasse em Deus e o seguisse. Toda vez que eu saía debaixo do sol quente e caminhava durante duas horas para chegar à igreja, fazia isso por que alguém, meus pais, ensinou que o mundo era criação de Deus e que se não fizesse a vontade do criador, seria punido. Acreditava em tudo isso, por que foi-me transmitido como um saber objetivo, que explicou e justificou a existência minha e do mundo e, que não podia mudar nada. A religião foi historicamente o instrumento mais amplo e efetivo de legitimação. Ela legitima de modo tão eficaz porque relaciona com a realidade suprema as precárias construções da realidade erguida pela sociedade empírica (BERGER, 1985, 45). Assim o foi em minha vida e, tão marcante ao ponto de me fazer entrar para um seminário, com o objetivo de ser sacerdote.
A legitimação religiosa pretende relacionar a realidade humanamente definida com a realidade última, universal e sagrada. Neste ponto, em minha vida, o ser catequista cristão em minha comunidade exigia de mim, determinado comportamento pré-estabelecido e reconhecimento e transmissão do saber a mim confiado.
A teodicéia é uma explicação criada para justificar as diversas situações da vida humana, sobretudo as marginais. Explicação onde se justifica acontecimentos empíricos, humanos com teorias divinas. Embora neste caso, teoria talvez não seja a palavra mais adequada. “Os fenômenos anômicos devem não só ser suportados, mas também explicados, a saber, explicado em termos do nomos estabelecido na sociedade em questão. Uma explicação deste fenômeno em termo de legitimações religiosas, de qualquer grau de sofisticação religiosa que seja”. Recordo-me ser vários os casos em que eu disse que Deus queria que as coisas fossem daquela forma. Aquelas situações de nossa vida, em que não concordávamos, mas que aceitávamos porque aparentemente não podíamos mudar. A justificativa era a vontade de Deus. Em outros casos, quando eu estava caminhado debaixo de sol quente, para ir á igreja, mesmo que o corpo reclamasse, afirmava que suportaria, porque Jesus Cristo sofreu e morreu por nós, por isso tínhamos que suportar tal sofrimento. Isso para ficar em dois exemplos somente de teodicéias usadas.
A sociedade em geral, mesmo que não seja o objetivo deste trabalho, mas que vale relatar, usa comumente três tipos de justificações: As teodicéias, explicação a partir das legitimações religiosas, a natureza e a ciência. Tudo é como é pela existência destes três fatores. Diariamente ouvimos pessoas dizendo que tudo depende da vontade de Deus.
Aos dezoito anos de idade entrei para uma instituição religiosa, propriamente dita, à congregação dos Missionários Sacramentinos de Nossa Senhora. Foi o coroamento de todo um esforço grave que fiz anteriormente. Longas horas de caminhada para participar das atividades religiosas que todo vocacionado precisa fazer. Já como seminarista, continuei estudando. Tive oportunidade conhecer o lado da religião que as pessoas em geral não conhecem. Descobri o verdadeiro sentido dos milagres que Jesus Cristo realizou e papel da religião na vida do ser humano. Meu formador, um padre de mente muito lúcida, soube responder a todas as minhas inquietações, as interrogações mais antigas até as atuais. O curso de filosofia foi oportunidade sem igual para meu amadurecimento.
Sobre minha infância recordo-me que em uma tarde de sábado estávamos sentado em um círculo por ocasião da catequese. Minha catequista explicava por que não poderíamos desejar sexualmente as pessoas de nossa casa: o pai, a mãe, o irmão e a irmã. Ela dizia que somos, todos, filhos de Deus, mas que isso é possível por que somos, cada um, filho de outro pai aqui na terra. Que desejar pessoas do mesmo parentesco era pecado e as pessoas e a sociedade, nos reprimiriam. Em nenhum momento mencionou as anomalias que o mesmo sangue pode geral no caso de produzir um filho e nem da necessidade de pensarmos que isso tinha um caráter de organização social. Bem, ela nem teria condições de falar isso, devido o baixo grau de instrução. Mas como se sabe, a natureza humana, pelo momento da adolescência, sentir uma atração por pessoas que vivem ao seu redor é comum. E, neste caso me senti reprimido. Normal sentir-se assim, mas não dessa forma, por que Deus proíbe. É normal também pela interiorização da moral e das leis sociais ocidental. Em um determinado momento ocorreu uma duplicação da consciência, isto é, diante da sociedade e da atração sentida por parentes, diretamente pelas mulheres, eram reprimidos, mas na mente eles continuavam. O caso da duplicação ocorre outra vez posteriormente em minha vida. Quando já no seminário, não podíamos ter-nos com garotas, devido o voto de castidade. Mas as escondida, eu, e outros, dávamos uma “escoregadela”. Dentro de um mesmo papel social, agíamos de forma diferente, sem que os outros soubessem. Isto por que conseguíamos realizar um diálogo entre a consciência socializada com a consciência não-socializada.
Por um período bem longo em minha vida, mais precisamente a infância, percebo que a religião, em partes significativas, exerceu um papel alienante. Eu agia como se não tivesse vontade e personalidade própria, como se Deus que estivesse agindo para mima, fazia somente o que Ele “queria”. Para algumas pessoas isso pode parecer viver uma vocação, mas neste caso não era o que acontecia. Eu não tinha discernimento de minhas ações. Pode-se compreender que a alienação é a existência de uma “consciência não-dialética”. O esquecimento de que nos produzimos e produzimos o mundo a nossa volta. A religião não-alienada é aquela que o cristão tem consciência que ao mesmo tempo em que ele produz Deus, através da consciência e da cultura e moral cristã, é também produzido por esta, isto é, por Deus. Já o cristão alienado, age não consegue discernir entre si e Deus. Age com má-fé afirmando que não tem outra alternativa, outra escolha pra suas ações, por que Deus quer assim. A falsa consciência, neste caso, é o maior agravante. Não exerce conscientemente o papel que deve assumir dentro de cada instituição.
No meu caso, vejo a religião como alienante somente em minha infância. Na posteridade, após conseguir uma compreensão dos fatos, ela se tornou [des]alienante. Eu seria capaz, se não tivesse preferido adotar uma postura radical diante do fenômeno religioso, de ser um cristão autentico, autônomo. A autonomia compreendia como consciência das ações no campo religioso. A ausência da má-fé e da falsa consciência.
Entendendo por secularização a “subtração da dominação das instituições e símbolos religiosos”, pode-se afirmar que me tornei bastante secularizado. As instituições religiosas com seus ritos próprios perderam espaço em minha vida. A interpretação de que a religião serve para explicar aquilo que à razão seria inexplicável, e que existe para dar um sentido em nossa vida, a partir de onde não conseguimos nos compreender e, que se não exercermos as práticas e caridade religiosa não será afetada de forma trágica a nossa existência e a descoberta que não foi Deus que criou o mundo e que não voltará para prestarmos conta de nossas ações, fez-me dar importância menor a interferência da religião em minhas atitudes.
Entretanto faz-se necessário compreender que, observo os princípios cristãos, vivo a moral cristã, mas não pratico seus ritos. Isto é, não é Deus que define mais o que é importante ou necessário para minha conservação. Sou eu com minha consciência, guiada pela “razão” que digo como devo agir. Todavia, reconheço a importância das instituições religiosa na sociedade, pois sem está, não haveria o respeito e a fraternidade, ou se houvesse, seria em menor proporção.


REFERÊNCIA
BERGER, Peter Ludwig. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. Org. Luiz Roberto Benedetti; Trad. José Carlos Barcellos. São Paulo: Paulus, 1985.

Nenhum comentário: